segunda-feira, 11 de março de 2013

UMA CULTURA DE ESPECTROS ANÔNIMOS E VIGILÂNCIA DISTRIBUÍDA



Controle? Vigilância digital? O que é público e o que é privado hoje?
Em uma era em que todos podem publicar – tornar público – tudo o que quiserem e em que é muito fácil ‘vigiar’ a vida dos outros onde estão as linhas limítrofes do público e do privado?
Você conhece o site 4Chan? Criado em 2003, esse é um site descentralizado para compartilhamento anônimo de uma variedade de assuntos, dentre eles, imagens, músicas, vídeo-games, animes, mangás, vídeos, textos, fotografia, e fóruns de discussão, totalizando mais de 40 canais de temas diferentes, não sendo necessário nem mesmo o registro de uma conta. E o que ele tem de especial afinal? Bem, o que era pra ser apenas um site comum para compartilhamento de mídias acabou virando um imenso espaço completamente livre e confuso em que é possível encontrar de tudo, desde conteúdo ilegal, notícias mentirosas, pornografia e até um point de hackers. A famosa comunidade Anonymous surgiu em um dos fóruns do 4Chan, assim como os famosos memes e lolcats.
Há quem chame esse site de rede antissocial. Lembrando que não é preciso se registrar, ou seja, você poderá se comunicar com as outras pessoas sem nem mesmo se identificar. No entanto, é claro que lá também estão pessoas que usam a rede para fins menos caóticos.
Para saber mais sobre o site 4Chan, clique aqui.
A doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Fernanda Bruno, em seu texto “Estética do Flagrante: Controle e prazer nos dispositivos de vigilância contemporâneos” nos fala sobre um grande circo onde tudo vira espetáculo, onde todos podem postar o que quiser, “em que as relações sociais se tecem atreladas a uma mistura de voyeurismo, exibicionismo e vigilância”. Essa parece ser a cultura natural da vida urbana: um controle sobre tudo, mas ao mesmo tempo uma necessidade de expor tudo, de tornar tudo visível para que os outros possam ver, e assim o controle é cedido. O que é público e o que é privado nessa nova cultura?
O site 4Chan é palco de acontecimentos bizarros ou no mínimo surpreendentes, como, por exemplo, invasões em contas de e-mails, provocações políticas, encontram pessoas desaparecidas, “capturam” malfeitores que machucam ou matam animais indefesos, criam boatos contra celebridades por pura diversão, para confundir as pessoas, para testar a capacidade de influência e pânico de uma notícia qualquer, espalham vírus, pornografia e movimentos anônimos. “É tudo pelo simples prazer de zoar, resume um usuário brasileiro, que prefere ser chamado de anão (a palavra anonymous abreviada para “anon”, que no Brasil ganhou a tradução marota "anão"), que diz ter participado de um trote que espalhou a notícia falsa da morte do baixista da banda Fresno, Rodrigo Tavares, em 2009. O objetivo é ser escroto, resume”.  A pergunta é por que não? Nesse novo mundo fluido onde as referências se perderam ou se multiplicaram, sem credibilidade, são infinitas as possibilidades e os meios. No entanto, qual o objetivo de entrar no 4chan e publicar algo?
“Não surpreende que não mais se escrevam distopias nestes tempos: o mundo pós-fordista,moderno fluido, dos indivíduos que escolhem em liberdade, não mais se ocupa do sinistro Grande Irmão, que puniria os que saíssem da linha. (...) O controle está distribuído, “quando as autoridades são muitas, tendem a cancelar-se mutuamente”. Esse comentário do sociólogo polonês Zygmunt Bauman reflete a falta do controle ou uma tentativa frustrada de controlar uma intensa atividade midiática que se perde na imensidão da web. Todo esse conteúdo “publicado” na web em geral, e em especial no 4chan, vai sendo legitimado sobre questões privadas e atitudes que a maioria das pessoas não teria se não fosse por meio da proteção conveniente que a internet oferece. Você pode criar um perfil, colocar qualquer foto e então pode denunciar políticos, acessar pornografia e viver fetiches, sempre referendados por comunidades que compartilhar os mesmos interesses.
Bauman ainda reflete que “O que quer que seja nomeado, inclusive os sentimentos mais secretos, pessoais e íntimos, só o é propriamente se os nomes escolhidos forem de domínio público, se pertencerem a uma linguagem compartilhada e pública e forem compreendidos pelas pessoas que se comunicam nessa linguagem”. A tendência atual é que a esfera pública seja colonizada por questões que antes eram classificadas como inadequadas à exposição pública. Quem está tomando conta? Todos estão. Mas quem de nós tem o poder de controlar tudo e garantir apenas um fluxo coerente que siga os padrões morais? Parece que os padrões morais mudam conforme a conveniência.
Protegidos por nossos próprios espectros mais convenientes, podemos tornar público tudo aquilo que desejarmos, mas para isso é preciso que o “contrato” seja assinado por todas as partes, todos precisam entrar no jogo, e expor a própria vida para que a coisa possa fluir e não ser constrangedor apenas para alguns. E assim também se adquire o direito de exigir a exposição pública da intimidade de celebridades e anônimos, e se isso não bastar então se podem criar boatos para divertir e agitar um pouco a rotina. Tudo parece perdoado já que todos estão fazendo. Escravos do imediatismo do querer: uma busca frenética em tirar a espera da vontade, como nos diz Bauman.
Por trás de cada publicação e interação está um espectro cada vez mais autônomo, e que, segundo Marc Guillaume, funciona como uma projeção de si em que o individualismo torna-se exacerbado e em efeito cascata, as pessoas agem como se cada vez mais, fosse desinteressante transferir os problemas da esfera privada para a pública. Sentem-se responsáveis por resolver tudo sozinhos.
Mas o que a era digital tem de especial? É justamente o não individualismo e sim o trabalho em coletivo. A cooperação é superior à competição e as tecnologias permitem cooperar em larga escala. (Manuel Castells). Em uma entrevista com o sociólogo espanhol Manuel Castells foram discutidos temas como a cooperação, a web 2.0, a educação, economia e política na sociedade da informação. O que move a internet e a comunicação móvel são os velhos princípios da cooperação, com grande escala, grande velocidade, com grande volume informacional tratado ao mesmo tempo. Em uma entrevista Castells aprofundou as questões das transformações sociais causadas pela internet:
A internet e as novas transformações sociais
Não podemos prever o futuro, mas podemos perceber o que já está acontecendo. Todos os espaços de fóruns para discussão, espaços políticos, espaços de relação social, de informação, espaços comerciais, tudo isso devido às tecnologias móveis está se difundindo no conjunto da sociedade e no conjunto de tudo o que fazemos. Vivemos no Eu++, ou seja nós “mais” toda a nossa rede de conexões, levamos essa rede conosco, estamos conectados, comunicados e isso muda nossa forma de aprender, de trabalhar, de diversão, de assistir TV, e obviamente a comunicação.
Isso não quer dizer que somente por ter a possibilidade tecnológica que estejamos utilizando-a de forma correta. Isso depende da capacidade cultural e educativa das pessoas e também das organizações que são capazes de adaptar-se a essas mudanças, como por exemplo as escolas. Os alunos utilizam suas tecnologias móveis fora da escola ao invés de haver uma integração e uma articulação desses espaços e recursos. A escola precisa abraçar as mudanças e não repeli-las. Vivemos em um mundo de extraordinária capacidade comunicativa e no entanto as organizações estão muito atrás do que poderiam fazer.
Leia mais, aqui.



sexta-feira, 8 de março de 2013

ENTREMEIOS – ESTAMPA 2013


Ana Alice Francisquetti
Ana Alice Francisquetti


Entremeios e visões é um registro do trabalho da artista Ana Alice Francisquetti durante as etapas de preparação dos trabalhos para o SP ESTAMPA 2013, que você pode acompanhar curtindo a página do facebook -entremeios e visões.
As gravuras de Ana Alice Francisquetti revelam resultados surpreendentes de uma pesquisa plástica, teórica e poética.
Os elementos tradicionais da gravura, interagem com o tempo, carborundum, os elementos da natureza e um olhar sensível configurando assim seu campo de criação. Intersecção e intercessão!
A intenção primeira é acompanhar, registrar e des(-)vendar os passos de criação do trabalho de Ana Alice Francisquetti, durante o período de preparação das obras para a exposição SP ESTAMPA, edição de 2013.
Trata-se de re(-)velar os bastidores da criação, aquele conjunto de ações/processos desenvolvidas na intimidade do ateliê e que, em geral, encontram-se como nos grandes icebergs, abaixo da linha d’água, fora do alcance da visão.
Duração deste projeto - Entremeios e visões vai acompanhar o processo de criação das Gravuras de Ana Alice Francisquetti que serão apresentadas no evento SP ESTAMPA 2013. Sendo assim, inicia suas atividades hoje e ficará no ar até abril de 2013. Trata-se de ummaking off do trabalho em quatro tempos a saber: 1) o aparecimento de uma ideia; 2) os processos de gravação; 3) o papel e a prensa - múltiplos e, 4) a exposição. Curta esta página e participe desta viagem...
Para começo de conversa, um pouco da história da gravura - O MASP apresenta a exposição - Papeis estrangeiros: Gravura com curadoria de Teixeira Coelho a partir do acervo do museu. Organizadas de acordo com as tendências mais significativas, elas cobrem o período do século XVI até os dias de hoje. Uma visita ao MASP nos permite explorar as diferentes visões e perspectivas sobre as quais a arte da gravura tem se desenvolvido.http://masp.art.br/masp2010/exposicoes_integra.php?id=117&periodo_menu

Da Caixa - Tempo - serigrafia de Ana Alice Francisquetti
Da Caixa - Tempo - serigrafia de Ana Alice Francisquetti

quinta-feira, 7 de março de 2013

A harmonia das Cordas




Somos todos pequenos universos...
Harmonia... música, teoria das cordas, harmonia das esferas... multidão, vibração, conversação, pulsação, unicidade, universos... multiverso... redes... web.
Filósofos e cientistas tentam há milênios encontrar uma teoria única que explique o universo com uma única teoria que explique simplesmente (e definitivamente) o “tudo”. E até bem pouco tempo tínhamos um universo aparentemente infinito para ser explicado. No entanto, as coisas mudaram... e se na realidade houvessem mais universos? Difícil imaginar? Vamos entender isso...
Na matemática foram encontradas explicações para diversos fenômenos da natureza, e talvez a explicação do tudo esteja nos números... Pitágoras foi quem descobriu que cada corda musical, possuindo um tamanho/comprimento diferente permitia a vibração de sons característicos, notas diferenciadas que podem ser combinadas harmonicamente por meio da música.
Imagine que essas notas fazem parte de uma corda estendida, e cada uma delas representa uma parte da corta que está sendo presa, conforme o local que é preso isso modifica o som da corda quando ela é tangida. Os números revelaram as proporções encontradas nessa consonância. Os seguidores das teorias de Pitágoras construíram o modelo da Harmonia das Esferas baseados nos números. A Harmonia das Esferas é uma teoria que expressa o pensamento de que o universo é meio, um conjunto ordenado de forma harmoniosa. O homem é parte desse cosmos, e cabe a ele descobrir qual é o seu lugar nesse conjunto e estabelecer a harmonia entre ele e o seu redor. Enfim a Harmonia das Esferas seria, conforme o dicionário, a lei da ordem universal dos pitagóricos, segundo a qual as órbitas dos planetas são separadas por distâncias correspondentes aos comprimentos relativos das cordas que produzem sons harmônicos.
Agora podemos entender um pouco sobre a Teoria das Cordas.
Vamos retomar o primeiro parágrafo desse artigo: Filósofos e cientistas tentam há milênios encontrar uma teoria única que explique o universo com uma teoria que explique simplesmente (e definitivamente) o “tudo”. E até bem pouco tempo tínhamos um universo aparentemente infinito para ser explicado. No entanto, as coisas mudaram... e se na realidade houvesse mais universos? Difícil imaginar? Vamos entender isso”...
Vídeo de música...
Cordas que vibram e que produzem diferentes harmonias: é essa a Teoria das Cordas, a mais recente teoria da física moderna que explica o que é o Universo e que nos revela um multiverso...


Vamos lembrar de Platão e do mundo das ideias: as ideias existem em um mundo paralelo e correspondem à verdade eterna e imutável acerca das coisas em nosso mundo físico, ou seja, tudo em nosso mundo é uma cópia da realidade do mundo das ideias. Para que algo fosse considerado verdade deveria transcender o mundo físico (aparências, sensações, sombras em uma caverna)* e utilizar-se da razão para ser concebido. Bem, os matemáticos também acreditam que a matemática existe nesse mundo das ideias, se é que podemos dizer assim, ou seja, ela existe independentemente do que pensamos ou conhecemos sobre ela. São leis imutáveis e eternas que talvez estejam regendo nosso universo desde todo o sempre.
E na busca incessante de tentar entender o universo, os cientistas apoiam-se nos números... eternos e imutáveis...
Já se sabe que o universo está se expandindo em ritmo acelerado e todas as suas galáxias obedecem às mesmas leis da física que regem nossa realidade aqui na Terra... Esse é o universo que conhecemos (a cada dia um pouco mais). No entanto, recentes descobertas da física propõe a existência de inúmeros outros universos com leis próprias diferentes das que conhecemos. Juntos e interligados esses universos formam o multiverso em 11 dimensões. A Teoria das Cordas prevê uma proporção de 10 elevado a 500 universos... o que corresponde ao número 1 seguido de quinhentos zeros... Ainda não um entendimento geral sobre essas teorias, no entanto, afinal tentamos entender as coisas a partir do nosso ponto de vista e isso não está no mundo das ideias...
Veja o vídeo abaixo para entender melhor essa dimensão.

Cada vibração em cada corda representa uma energia diferente conforme massa ou carga energética da partícula. Propriedades diferentes geram vibrações diferentes. O que são essas partículas? "A corda, nesta teoria, representa um objeto unidimensional que vibra. Do mesmo modo que as diferentes vibrações das cordas de uma harpa estão relacionadas diferentes sons, aqui a cada vibração está associada uma energia, ou uma massa, ou uma carga, etc. Assim, diferentes vibrações "produzem" diferentes partículas "fundamentais". As propriedades da partícula "criada" estão inteiramente descritas pela vibração da corda (ou cordas) constituinte. Pode-se, então, criar aqui um paralelismo entre Física fundamental, som e música. De acordo com a teoria, todas aquelas partículas que considerávamos como elementares, como os quarks e os elétrons, são na realidade filamentos unidimensionais vibrantes, a que os físicos deram o nome de cordas. Ao vibrarem as cordas originam as partículas subatômicas juntamente com as suas propriedades. Para cada partícula subatômica do universo, existe um padrão de vibração particular das cordas e são os diferentes padrões de vibração dessas cordas que determinam a natureza de diferentes tipos de subpartículas. O universo sendo composto por um número enorme dessas cordas vibrantes assemelha-se a uma sinfonia cósmica. (Fonte)

Somos todos pequenos universos...
Cada um de nós um pequeno universo... dentro de nós outros pequenos e múltiplos universos, pois que cada um de nós tem vários lados, uma personalidade rica de detalhes e de liberdade para mudar de ideia e em constante evolução e mudanças. Ao nosso redor milhões de universos interagindo e interdependentes, ao mesmo tempo que universos, são partículas que vibram a partir de suas propriedades intrínsecas... o que somos é o que nos faz vibrar...
E nesse grande universo rede que vibra com um e como tantos pequenos universos...
Eus, eu, nós, redes, mundo, universo, universos...
Como encontrar o tom em que as cordas vibram em ressonância...
Cordas de violão quando estão no mesmo tom, vibram em conjunto mesmo que você não as toque... Um olhar limpo para encontrar o tom, o trabalho do todo em uníssono respeitando cada vibração particular.
E como um educador pode orquestrar, orientar essa sinfonia cósmica? Como auxiliar na harmonia de um grupo de alunos que vibram cada um em suas particularidades e que, no entanto, juntos, podem vibrar em coletivo? O primeiro passo é entender essa diversidade de características e pequenas vidas vibrantes e não perder-se diante dessa visão ampla que pode parecer um tanto confusa, no entanto, enquanto educadores enxergarem seus alunos sentados em suas cadeiras como um bloco será conveniente e fácil de “ensinar” (que do latim alumnusalumnié, sem luz), porém o verdadeiro trabalho de aprendizado e troca não acontece, quando as individualidades e pequenos universos são ignorados...
É possível trabalhar com um coletivo e ao mesmo tempo considerar cada pequeno olhar, cada pequenina realidade que já traz consigo um pequenino mundo de vivências, de conhecimento e uma maneira peculiar de inferir sobre o mundo.
Novamente o InovarEduca ressalta a importância do educador como intermediador, como o professor de mergulho que avisa onde estão as pedras, mas não nada pelo aluno, apenas segura na mão e o impulsiona para a sua verdadeira e particular experiência. Ele indica as ferramentas, ensina a usar, mas permite uma exploração compartilhada em que ele próprio irá reaprender em coletivo. O educador que ensina o estudante a enxergar e a fazer brilhar sua própria luz, e que nunca, nunca o faz acreditar que ele não a possui, e que depende de um subordinador de seu aprendizado.
Como?
Um bom maestro ou músico sabe que para acertar o compasso e a harmonia é preciso usar o diapasão. Você sabe o que é isso?
A parte que parece um garfo vibra e pelo pino com a base esférica ele transfere a vibração para algum ponto de ressonância, pode ser uma mesa, uma parede, uma parte do seu corpo... Basta bater o garfo (a forquilha) e tocar a base esférica em alguma superfície. Dessa forma é possível afinar instrumentos, conforme diferentes frequências... Afinar, encontrar a frequência, trabalhar em conjunto com vários instrumentos que juntos podem produzir um som agradável aos ouvidos... cada um sendo um e ao mesmo tempo integrando o todo.
Uma voz se transforma em muitas e um pensamento se multiplica, alcançando grande força!
Dica de filme sobre universos paralelos: Another Earth, 2011



SERENDIPIDADE


É no desconhecido que desbravamos o mundo... o caminho que se faz ao andar é cheio de liberdade... e quando estamos abertos ao acaso aprendemos muito mais...
Que palavra enorme. Talvez nem todo mundo tenha ouvido falar, mas com certeza já experimentaram esse fenômeno...
Quem nunca se deparou com um imprevisto, alguém ou uma informação nova no meio de um caminho que aparentemente tinha outro objetivo? Você se propõe navegar pela internet e pesquisar sobre um determinado assunto, e entre links, blogs, anúncios, eis que surge uma imagem que lhe chama a atenção e ao desviar rapidamente do seu curso original você descobre um blog de um pintor por quem você se encanta... e percebe que a obra dele de alguma forma complementa a sua pesquisa e que você nunca teria pensado em ir por aquele caminho, não fosse o acaso...
É disso que se trata a serendipidade: uma sequência de felizes acasos. Mais do que isso, estar aberto e aprender com essas interferências, compreender que ao nos focarmos em um objetivos acabamos por ‘atrair’ situações que estejam na mesma sintonia.
A história está cheia de exemplos desses fenômenos, na ciência principalmente. Vejam o caso de Pedro Álvares Cabral e a descoberta casual de um novo continente.
Essa palavra enorme ‘serendipidade’ vem de antiga história persa, Os Três Príncipes de Serendip, de origem árabe (Sarandip) que atribui o nome do Ceilão ou Sri Lanka. A história narrava as aventuras de três príncipes em uma longa jornada, enviados por seu pai, para que pudesse adquirir mais experiências de vida antes de decidirem quem assumiria o trono. Nessa jornada os três deparam-se com inúmeras situações acidentais em que puderam comprovam sua sagacidade e desenvolver a capacidade de lidar com o inusitado e aprender coisas novas. No entanto, o termo é mais conhecido como Serendipity e passou a ser usado com esse significado em 1754 pelo escritor inglês Horace Walpole.
Seria essa a verdadeira arte da articulação? Narrativas? Tornar-se um canal receptivo para que as intervenções possam acontecer, para que se possa tirar bom proveito do imprevisto, para que nossa sintonia possa atrair situações positivas e úteis em nossas jornadas sempre intrincadas e descentradas.
Nossa inteligência humana e emocional é tão importante quando a inteligência intelectual, como orientá-la a estudar e pesquisar melhor? Esse processo intuitivo precisa ser desenvolvido, isso está na curiosidade humana, na capacidade de relacionar fontes, assuntos, contextos... O processo hipertextual e a navegação por links nos leva a caminhos que se equivalem a experiências individuais de aprendizagem. Uma mesma pesquisa feita por pessoas diferentes percorre caminhos diferentes que agregam novidades pelo percurso e juntas as pessoas poderão trocar experiências diferentes e complementar a pesquisa um do outro em um processo colaborativo e coletivo.
Talvez estejamos exagerando, uma busca avançada talvez não seja capaz de inibir por completo a trilha hipertextual, mental e rica de descobertas e curiosidade própria dos seres humanos, talvez seja apenas a forma como iremos nos apropriar disso que nos preocupe por ora.
Vamos pensar no processo de pesquisa e casualidade que ocorre em situação idêntica a uma visita a biblioteca ou em uma pesquisa na web. Você pode querer ficar solto pelas estantes/links e “fuçar” à vontade, e de repente ser remetido para outros assuntos, autores, imagens e o que mais a casualidade permitir. Por outro lado você também pode entrar em uma biblioteca ou em um site específico e dizer o que quer e esperar por uma resposta objetiva, rápida e correta. É preciso equilíbrio entre seguir um caminho, mantendo o foco enquanto se presta atenção à paisagem. O processo é sempre mais interessante que o resultado. E com esse pensamento mais livre é possível deixar que outras conexões se estabeleçam.
O nome do maior dos inventores: acaso. Mark Twain
Imagine um trabalho em sala de aula em que o acaso é convidado de honra? Imagine consentir que cada aluno interfira com sua experiência, ou que o ambiente ao redor (fora de uma sala de aula) possa proporcionar novos “links”? E de link em link um caminho único vai ser sendo traçado por aquele grupo especial de estudantes, uma aula única...



quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Caldo de Cultura


The juggler - Michael Parkes
The juggler - Michael Parkes


Você já deve ter ouvido falar desse termo Caldo de Cultura, mas já parou para pensar no que ele significa e de onde veio essa expressão?
Na biologia esse termo trata de um ‘meio nutritivo’ – uma cultura - em que são inseridos células, tecidos ou até mesmo micro-organismos além de outros elementos com o objetivo de nutrir e estimular o desenvolvimento e crescimento. Trata-se de um espaço que funciona como um meio em que convivem diversos elementos que trabalham em sinestesia, em integração e harmonia: um equilíbrio que propicia uma visão do todo em que participam todos esses elementos. Veja o exemplo de um malabarista.
Bolas, arcos ou claves elevam-se no ar e passam a ser sustentados em um movimento preciso e sincronizado sob o olhar do malabarista, um olhar que precisa envolver o todo, um olhar que não pode mirar em apenas um objeto, o todo se perde quando isso ocorre.
O malabarista manipula os objetos no ar e não pode olhar especificamente para cada objeto, ele precisa trabalhar com a ideia do todo integrado...
Como o artista consegue isso sem olhar para cada objeto?
Isso é possível graças a Cinestesia ou Kinestesia, ou seja, a percepção consciente da posição e dos movimentos do próprio corpo ou da manipulação de objetos por esse corpo sem o auxílio direto na visão, mas graças à percepção dos músculos e do sistema vestibular, localizado no ouvido interno que é responsável pela manutenção do equilíbrio do homem.
Temos outros significados para esse termo, correlacionados.
“Há certa confusão em relação aos termos sinestesia e cinestesia: o segundo termo (cinestesia) refere-se ao sentido muscular, a um conjunto de sensações que nos permite a percepção dos movimentos (Michaelis, 1998); o primeiro termo (sinestesia) refere-se a uma sensação secundária que acompanha uma percepção, ou seja, uma sensação em um lugar originária de um estímulo proveniente de um estímulo de outro (Michaelis, 1998 e Dorsch, 1976). Portanto, é importante termos em mente que o termo sinestesia empregado neste trabalho não se restringe à percepção do movimento e suas propriedades (peso e posição dos membros), mas engloba um conjunto geral de percepções e sensações interligadas por processos sensoriais”. (Fonte)
Juggler - Michael Parkes
Juggler - Michael Parkes

A Sinestesia também existe como concepção estética, um movimento de retorno ao subjetivismo e à sensação, fruto do simbolismo. Essa concepção estuda a inter-relação entre os símbolos e elementos, existe uma ligação intrínseca entre os objetos e a natureza, como por exemplo, entre cores, cheiros e sons. A palavra Sinestesia significa a junção de sensações e percepções.
Portanto, trata-se de uma condição neurológica na qual o estímulo em um dos sentidos provoca uma percepção automática em outro sentido. Muitas pessoas enxergam cada letra ou número de uma cor diferente, algumas pessoas imaginam ou veem os sons, outros podem expressar a experiência de sentir o sabor de palavras ou formas, o cheiro dos objetos etc.

“Hoje eu desenho o cheiro das árvores.”
“Estou atravessando um período de árvore (...)
No meu morrer tem uma dor de árvore”. Manoel de Barros

O processo de aprendizagem e de produção do conhecimento, ou podemos dizer também o desenvolvimento de um caldo de cultura, envolve uma série de elementos que precisam se manter em constante movimento e que só funcionam juntos, e para que esse movimento não se perca é necessário olhar o todo, objetivar o equilíbrio e a visão ampliada. Se o foco se prender a apenas um elemento o jogo termina, as bolinhas caem.
Esse é um espaço em que estarão no ar a cultura, a educação, a arte, a filosofia e a tecnologia. Pois tudo é um, e no ar a magia do malabares só acontece porque todas os objetos estão em constante movimento.
Que comece o espetáculo!


O que uma boa leitura nos traz?




Ilustração da Revista Literaria La Noche de las Letras
Ilustração da Revista Literaria La Noche de las Letras


Sobre a leitura rasa da vida e do mundo... A leitura em todas as linguagens.
Decodificar ou compreender?
No livro “O que é leitura”, da Prof. Dr. Maria Helena Martins, especialista em Teoria Literária, temos a ideia de leitura é normalmente restrita ao livro, ao jornal e ao texto propriamente dito. Ler está muito associado às palavras. “As ciganas, contudo, dizem ler a mão humana, e os críticos afirmam ler um filme. O fato é que, quando escapa dos limites do texto escrito, o homem não deixa necessariamente de ler. Lê o mapa astral, o teatro, a vida – forma a suacompreensão de realidade”.
Ler um texto ou uma obra de arte envolve dar sentido ao que se lê, levando em conta a situação desse objeto (texto, obra, filme etc) e também do leitor. Contextualizar. A leitura, independente de um contexto escolar, vai além do texto escrito, trata-se do ato da interpretação e compreensão de expressões, tanto formais quanto simbólicas, estejam no meio de linguagem que estiverem. Não importa. A partir disso a leitura ganha espaço no entendimento do processo de aprendizado de cada coisa no mundo e em nós.
Começamos a ler porque sentimos curiosidade e necessidade de entender o mundo, e para isso não basta seguir com olhos ávidos palavra por palavra ou olhar o mundo a nossa volta consumindo as informações como se os olhos pudessem registrar automaticamente tudo o que veem e como se o cérebro precisasse somente disso para absorver a informação e transformá-la em conhecimento. O processo é muito mais complexo. “Quando começamos a organizar os conhecimentos adquiridos, a partir das situações que a realidade impõe e da nossa atuação nela; quando começamos a estabelecer relações entre as experiências e a tentar resolver os problemas que se nos apresentam – aí então estamos procedendo leituras, as quais nos habilitam basicamente a ler tudo e qualquer coisa”, reflete a autora Maria Helena. Essa é a verdadeira leitura que interage com o mundo e o modifica, a partir da modificação que acontece primeiramente em nós.
Atualmente podemos identificar alguns elementos relacionados à leitura que têm favorecido e desfavorecido esse hábito.

O tempo
Atualmente nosso comportamento diante do tempo nos deixou pensar que podemos estendê-lo e multiplicá-lo conforme nossas necessidades, no entanto, o dia continua tendo apenas vinte e quatro horas. Cada vez mais nos forçamos a triplicar a quantidade de tarefas que precisamos fazer esquecendo-nos do quão importante é a verdadeira dedicação do tempo para cada tarefa. A pressa nos obriga a correr e acreditamos realmente que é possível fazer tudo de forma acelerada. Sentimo-nos obrigados a seguir roteiros impossíveis entre nossa vida pessoal, necessidades, trabalho, estudo, lazer, etc, e aceitamos como fato o contínuo sentimento de culpa por não fazemos tudo o que nos propomos. Nesse ritmo esmagador algumas atividades perdem em qualidade e consistência.

A relevância
O impacto emocional de uma situação garante que ela será armazenada em nossa memória permanentemente, reativando-a mesmo que se passe muito tempo. Esse processo de seleção de memórias e de fixação (quais são relevantes e quais são insignificantes) é realizado pelo cérebro durante o sono. Essa informação sobre a memória funciona para a vida e tudo o que fazemos, incluindo o processo da leitura e do estudo.
O sucesso de uma boa leitura também está relacionado ao grau de importância que damos ao conteúdo que estamos lendo.

Faltam bibliotecas? O livro está caro?
Segundo o site QEdu – um portal gratuito com informações sobre a qualidade da educação no Brasil – na Prova Brasil 2011, aplicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), foi constatado que dos 225.348 professores que responderam à questão, 101.933 (45%) leem sempre ou quase sempre, 46.748 (21%) o fazem eventualmente e 76.667 (34%), nunca ou quase nunca. E por quê? Faltam bibliotecas? Os livros no Brasil são caros?
Em 2009 o 1º Censo Nacional das Bibliotecas Públicas Municipais registrou que 79% dos municípios brasileiros possuíam ao menos uma biblioteca aberta, são 4.763 bibliotecas para 4.413 municípios. “Em 13% dos casos, as BPMs ainda estão em fase de implantação ou reabertura e em 8% estão fechadas, extintas ou nunca existiram. Considerando aquelas que estão em funcionamento, são 2,67 bibliotecas por 100 mil habitantes no país”. (Censo)
No entanto, o Brasil precisa construir 128 mil bibliotecas escolares em sete anos para cumprir a lei federal Nº 12.244, de 24 de maio de 2010.
E sobre o preço dos livros?
Segundo o SNEL - Sindicato Nacional dos Editores de Livros, os dados referentes ao mercado editorial brasileiro até 2011 foram os seguintes:
SNEL Gráfico 2010-2011
SNEL Gráfico 2010-2011

A Agência Nacional do Livro em uma pesquisa sobre a produção e vendas do setor livreiro de 2011 constatou que “Mais baratos, os livros voltados à formação e ao aperfeiçoamento profissional foram os que mais cresceram em produção, faturamento e vendas no ano de 2011” e que “O valor do preço médio do livro vendido recua desde 2004, acumulando declínio real médio de 44,7% até 2011”. Já sobre os e-books, incluídos recentemente nas pesquisas sobre o mercado editorial, somam uma quantidade ainda insignificante para influenciar o setor, no entanto os dados gerados pela pesquisa informam que os 5.200 títulos lançados em 2011 correspondem a um faturamento próximo de R$ 870 mil.
Atualmente os amantes dos livros podem contar com inúmeras formas de acesso que até bem pouco tempo atrás não existiam: sebos virtuais, redes sociais especialmente criadas para quem adora ler com dicas de livros, e algumas que funcionam como ponto de troca de livros entre as pessoas. Veja só:
Skoob (rede social)
Goodreads (rede social)
Será mesmo que a internet afasta as pessoas? E nos faz ler menos? :) E então, porque o brasileiro ainda lê pouco?
Segundo pesquisas recentes realizadas pelo QEdu: Aprendizado em Foco - Prova Brasil 2011 - aplicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), temos 225.348 professores brasileiros: 101.933 (45%) leem sempre ou quase sempre, 46.748 (21%) leem eventualmente e 76.667 (34%), nunca ou quase nunca.
Será que aprendemos a ler, será que os estímulos certos nos foram oferecidos?
A leitura está relacionada a decifrar a linguagem escrita, ao aprendizado, á interpretação do que vemos ao nosso redor – a leitura do mundo – e nos permite o convívio social, o estudo, a produção de conhecimento e a nossa participação no mundo. Lembrando que no Brasil, cerca de 75% da população é analfabeta funcional. Dessas pessoas, 4% chegaram até o ensino superior. Apenas 25% possui habilidades plenas com a escrita e com os números.

Trecho de artigo - site InovarEduca
Trecho de artigo - site InovarEduca


Para ler mais sobre analfabetismo funcional, clique aqui.
Será que a forma como aprendemos a ler não é uma das principais responsáveis pela falta de gosto pela coisa? O método de aprendizado seguiu um caminho rígido e mecânico, regras e padrões que prejudicaram ocultamente a criatividade e a escolha dos estudantes – chamados de “alunos”, que do latim alumnusalumnié, sem luz – e o processo de leitura seguiu o mesmo caminho: “primeiro decorar o alfabeto; depois, soletrar; por fim, decodificar palavras isoladas, frases, até chegar a textos contínuos. O mesmo método sendo aplicado para a escrita. (...) ler se resume à decoreba de signos lingüísticos, por mais que se doure a pílula com métodos sofisticados e supostamente desalienantes. Prevalece a pedagogia do sacrifício, do aprender por aprender, sem se colocar o porquêcomo e para quê,impossibilitando compreender verdadeiramente a função da leitura, o seu papel na vida do indivíduo e da sociedade”. (grifo nosso – O que é Leitura? Maria Helena Martins)
Não basta saber ler para gostar de ler. Se duas pessoas leem um mesmo texto, serão duas formas de leitura diferentes, cada olho vê o que quer, e infere sobre a realidade baseada em suas experiências e conhecimentos prévios. E como ensinar essa ação da análise, da interpretação, do estabelecimento das correlações entre mundo, memória, conhecimento, e no final deixar que essas informações se condensem e se transformem naturalmente em mais conhecimento? Essa é a chave. A educação brasileira não se preocupa em chegar até esse ponto, sustentando um método de chefes e subordinados, o educador que sabe e os seus alumnus.
Foucault já dizia “o poder de disciplinar é, com efeito, um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior adestrar; ou ainda adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor”. (do livro “Vigiar e punir: nascimento da prisão”) Os primeiros livros com os quais temos contato, a maioria de nós (pelo menos) são os livros didáticos que integram a rede de aprendizado, muletas para professores, ferramenta obrigatória integrada ao sistema educacional. Lembrando que os livros didáticos correspondem a maior fatia de toda a venda editorial brasileira. Não custa lembrar.
Segundo Maria Helena Martins “o que é considerado matéria de leitura, na escola, está longe de propiciar aprendizado tão vivo e duradouro (seja de que espécie for) como o desencadeamento pelo cotidiano familiar, pelos colegas e amigos, pelas diversões e atribuições diárias, pelas publicações de caráter popular, pelos diversos meios de comunicação de massa, enfim, pelo contexto geral em que os leitores se inserem. Contexto esse permanentemente aberto a inúmeras leituras. Não é de admirar, pois, a preferência pela leitura de coisas bem diferentes daquelas impostas na sala de aula, sem a cobrança inevitável, em geral por meio das execráveis “fichas de leitura”.
 “Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta”. – O ateneu, de Raul Pompéia.
 Ler – texto, imagem, mãos, sinais – é uma dinâmica e uma experiência pessoal, aliada ao conhecimento de vida, o processo de decodificação da língua é apenas uma etapa necessária para a compreensão da escrita e da fala, não caracterizando a leitura em si. O dar sentido aquilo que se lê pressupõe o desenvolvimento dessa capacidade de estabelecer correlações, de vivência, de observar todos os lados de uma situação, de aplicabilidade das informações, de compreensão dos contextos pessoais e históricos do que está sendo ‘lido’. Novamente o InovarEduca ressalta a importância do educador como intermediador, como o professor de mergulho que avisa onde estão as pedras, mas não nada pelo aluno, apenas segura na mão e o impulsiona para a sua verdadeira e particular experiência. Ele indica as ferramentas, ensina a usar, mas permite uma exploração compartilhada em que ele próprio irá reaprender em coletivo. O educador que ensina o estudante a enxergar e a fazer brilhar sua própria luz, e que nunca, nunca o faz acreditar que ele não a possui, e que depende de um subordinador de seu aprendizado.
 “O propósito de aprender é crescimento, e nossa mente, diferente do corpo, cresce enquanto vivemos”. Mortimer Adler
 Ainda iremos aprofundar mais um pouco sobre a leitura, aguardem...



De Picasso ao labirinto da web


Caballos - Picasso
Caballos - Picasso


Como funciona a experiência de busca por uma informação na internet?
Na imagem acima temos a obra Caballo – de Picasso – um desenho realizado sem a interrupção da linha inicial. Se pensarmos no caminho que se percorre em um labirinto teremos a mesma ideia do desenho acima, como se fosse possível traçar o caminho com uma linha que segue sem interrupção até encontrar a saída. Você pode recuar, errar, voltar o mesmo caminho sem perceber, pode encontrar pistas no meio do percurso ou não, terá que seguir a sua intuição, terá que arriscar... Na web também...
Afinal, como é que se inicia uma busca por uma informação na web? O caminho percorrido entre as páginas, sites, blogs, imagens, as janelas que retornamos, às vezes que nos perdemos... que nos achamos, esse percurso forma um desenho único, cada experiência na web é única, e mesmo quando duas pessoas diferentes procuram por um mesmo termo em um buscador como o Google, por exemplo, ainda assim a experiência será diferente pois os resultados obtidos seguem lógicas baseadas em:
  • Metatags que são informações inseridas no cabeçalho de sites e blogs, elas servem para indicar qual é o conteúdo daquela página e facilitar sua recuperação em uma busca online.
  • Identificação os hábitos dos usuários conforme suas buscas e “cliques” anteriores, registrando essas informações e oferencendo, a partir disso, propagandas que possam interessar a esse usuário.
Ou seja, dois computadores diferentes, duas pessoas diferentes buscando pela mesma informação, irão deparar-se com uma lista de resultados diferentes oferecidas pelo mesmo buscador. Faça o teste você mesmo.
Quem seriam as deusas Ariadnes que nos auxiliam oferecendo um fio para que possamos encontrar o caminho de volta? No mito grego de Ariadne, filha de Minos (Rei de Creta), temos a seguinte situação:
Ariadne apaixona-se por Teseu, que decide enfrentar o monstro Minotauro, guardião de um labirinto cuja lenda dizia que não era possível encontrar a saída, a única saída era a morte ao ser devorado pelo monstro. O Oráculo de Delfos o adverte, ele terá sucesso em sua viagem pois será ajudado pelo amor. “Ariadne, a filha do rei Minos, lhe disse que o ajudaria se este a levasse a Atenas para que ela se casasse com ele. Teseu reconheceu aí a única chance de vitória e aceitou. Ariadne, então, deu-lhe uma espada e um novelo de linha (Fio de Ariadne), para que ele pudesse achar o caminho de volta, do qual ficaria segurando uma das pontas. Teseu saiu vitorioso e partiu de volta à sua terra com Ariadne, embora o amor dele para com ela não fosse o mesmo que o dela por ele”.
A professora em Tecnologias da Inteligência e Design Digital e artista plástica brasileiraLúcia Leão, em seu livro “O labirinto da hipermídia: arquitetura e navegação no ciberespaço”, descreve que “O fio de Ariadne não é só um instrumento para não se perder e poder retornar. Ele é também o instrumento com o qual o viajante consegue avançar. Pois os corredores que ainda não foram explorados não têm o fio, enquanto que aqueles que já foram visitados têm a marca do fio. Os browsers, de uma forma geral, recuperam essa marcação do fio de Ariadne ao marcar os sites já visitados”. A autora continua exemplificando essa caraterística ao nos lembrar que ao clicar em um link o mesmo modifica de cor (torna-se roxo) o que nos indica que já foi clicado, isso nos ajuda a não clicar novamente no mesmo link/caminho por engano. Sem esse recurso ficaria difícil saber o que já percorremos.
No entanto, Lúcia reconhece dois tipos de percursos: o percurso da Ariadne louca e o da Ariadne sábia. A louca é aquela em que se é livre para descobrir novos caminhos, sem precisar do fio, sem precisar de uma lógica única, é um mundo de possibilidades em que se pode mudar o trajeto a qualquer momento. A sábia é aquela que presta atenção no caminho que está sendo percorrido para não perder-se, mantendo a concentração e não se permitindo mudar o trajeto para explorar novas ideias ou estímulos.
Quando iniciamos uma pesquisa online nos deparamos com estímulos diversos, e normalmente mantemos várias janelas abertas, músicas, e-mails, redes sociais, notícias... E é fácil perder-se do objetivo final, mas como dizia Clarice Lispector “Perder-se também é caminho”. Ou porque não relembramos essa famosa citação:
Caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar. Antonio Machado
A teoria da Ariadne sábia inibe o processo de pesquisa e casualidade que ocorre em situação idêntica a uma visita a biblioteca. Você pode querer ficar solto pelas estantes e “fuçar” à vontade, e de repente ser remetido para outros assuntos, autores e o que mais a casualidade permitir. Por outro lado você também pode entrar em uma biblioteca e dizer o que quer e esperar por uma resposta objetiva, rápida e correta. Essa última seria um bom exemplo da teoria da Ariadne sábia.
Mas, a web não é grande demais para permitir-se perder-se por ai à vontade? Temos tempo para isso?
Se pudéssemos entender o tamanho da web talvez esse desenho fosse de grande utilidade:
Superdownloads
Fonte: site Superdownloads

Veja onde está o Google... Ele não está lá na superfície por acaso, na verdade, segundo Ladislau Freitas, a partir de uma pesquisa sobre um estudo feito pela Universidade da Califórnia no ano de 2001, a estimativa é “que toda a Internet apresentada pelos mecanismos de busca corresponde a bem menos de 1% do tamanho real”.
Em uma conversa com o Artista e Webativista Hernani Dimantas a equipe do InovarEduca tentou entender um pouco mais sobre os 99% da web e onde ela está, porque não temos acesso a ela? Realmente não temos?
A Deep Web (ou Dark Net, Free Web, Invisible Web, entre outros termos semelhantes) é um território pouco explorado, mas ele está lá, ele pode ser acessado. Lá estão a web livre, os torrents, o protocolo IRC para comunicação na web e usado para chats e troca de arquivos, o mundo dos hackers...
Imaginem uma imensa livraria, há pessoas que se contentam em parar nas primeiras bancas com os best-sellers, e há aqueles que sabem onde ir, ou que ao menos exploram as prateleiras ao fundo, e há sempre um funcionário que poderá orientar você. Hernani nos diz que a Deep Web é onde estão as networks, e lá não é preciso orientação, uma liderança que indique o caminho, lá é um campo aberto para exploradores que buscam novas ferramentas e compartilham seus conhecimentos.
A maioria das pessoas não sabe como pesquisar, o InovarEduca abordou esse tema em dois artigos: “Aprendendo a aperfeiçoar suas buscas no Google” e “Como escolher as palavras-chave relevantes para o sucesso de sua pesquisa?”. Nesse caso tratamos especificamente do Google, mas a lógica da busca e das palavras-chave se aplica a todo o tipo de pesquisa. Até mesmo uma biblioteca física. Às vezes a resposta a uma pesquisa está errada porque é necessário mudar a pergunta.
Essa inabilidade para pesquisar é um prato cheio para que os search engines possam aplicar suas lógicas baseadas em um grupo líder nos resultados, baseados no que já tratamos acima: metatags e estudos sobre o comportamento do usuário conectado baseado na intenção do marketing, muitas vezes.
Hernani completa dizendo: “As pessoas têm aquilo que elas merecem”. As ferramentas estão à disposição, basta querer, basta explorar, dedicar-se e querer aprender, desenvolver a curiosidade e desacostumar-se a receber tudo pronto. Precisamos nos desvencilhar do pensamento de que se algo não está no Google então não existe. Estamos acostumados a ter um líder, alguém ou algo que nos aponte as referências, mas a experiência do aprendizado, do compartilhamento e da produção de conhecimento exige de nós um novo comportamento: a ousadia, a autonomia, assumir a corresponsabilidade por buscar e disseminar.
Será que sabemos como estudar? Será que sabemos como pesquisar? Será que não estamos muito mal acostumados? Bibliotecários sempre trazem essa questão à mesa quando tratam sobre como os alunos (de qualquer nível, ensino fundamental, médio ou universitário) iniciam uma pesquisa na biblioteca. Já perguntam qual é o livro que possui tal assunto, e com o livro na mão, muitas vezes não se dão ao trabalho de olhar o índice ou o sumário. Como mágica, muitos deles abrem a obra pelo meio esperando que a informação pisque e grite: estou aqui!
Será que basta para a lógica da web um trabalho minucioso de web semântica e de inteligência artificial para satisfazer nossas dúvidas em uma busca online? Ou será que aliado a essas novas tecnologias se faz necessário um trabalho profundo de aprender o que é uma pesquisa, como encontrar referências, a quem perguntar, como entender a lógica de resultados dos buscadores e perceber que não recuperam o conteúdo completamente relevante, mas sim os mais clicados, os best-clicked?

Lygia Canelas
Bibliotecária e escritora


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